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23 de Maio - O Amor no Coração de Maria




 

Diz Santo Alberto Magno:


“Quanto é grande a pureza, é também grande o amor. Quanto mais um coração é puro e vazio de si mesmo, tanto mais cheio é de caridade para com Deus”

Assim Maria, sendo sumamente humilde e vazia de Si, foi cheia do divino amor e nesse amor excedeu a todos os Anjos e homens, como disse São Bernardino de Sena. Com razão, A chama São Francisco de Sales Rainha do amor.


“Deu o Senhor aos homens o preceito: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração” (Mt 22, 37)

Entretanto os homens, diz Santo Tomás, não na Terra, mas no Céu, poderão cumpri-lo perfeitamente. Na opinião de Santo Alberto Magno, semelhante preceito, por ninguém cumprido com perfeição, de certo modo teria sido indecoroso ao Senhor, que o decretou se não houvesse existido uma Santa Mãe que o cumpriu perfeitamente. Tal pensamento é confirmado por Ricardo de São Vitor:


“A Mãe de nosso Emanuel em todo sentido praticou as virtudes com consumada perfeição. Quem como Ela cumpriu o preceito de amar a Deus de todo o coração? Tão intenso era-Lhe o incêndio do amor divino, que não restava lugar para a menor imperfeição.”

De tal modo o amor divino feriu a alma de Maria, observa São Bernardo, que não Lhe deixou parte alguma que não fosse ferida de amor. Desse modo, pois, cumpriu a Senhora perfeitamente o primeiro preceito divino. Bem podia dizer de Si:


“O meu amado é para Mim, e eu para Ele.” (Ct 2, 9)

Até os Serafins, exclama Ricardo, podiam descer do Céu para aprender no Coração de Maria a maneira de se amar a Deus.


“Deus é o amor (1 Jo 4, 16) e à Terra veiou para atear em todos os corações a chama de Seu amor”. — Mas, como o de Maria, não inflamou nenhum outro. Puro completamente de afetos terrenos, estava ele preparadíssimo a arder nesse bem-aventurado fogo. Dai então as palavras de Pseudo-Jerônimo:


“Tanto o abrasou o amor divino, que nada de terreno lhe prendia as inclinações. Ardia, completa e totalmente, no amor divino e dele estava inebriado.”

Sobre esse amor lê-se nos Cânticos:


“Seus abrasamentos são abrasamentos de fogo, chamas do Senhor” (8, 6)

Fogo e chamas tão somente eram, pois, o Coração de Maria. Fogo, porque ardia inteiramente pelo amor, como fala um texto atribuído a Santo Anselmo. Chamas, porque resplandecia externamente pelo exercício das virtudes. Quando Maria, na terra, trazia o Menino Jesus ao colo, bem se podia dizer d'Ela que era um fogo levando outro fogo. E isso em melhor sentido do que Hipócrates disse um dia de uma mulher que levava fogo na mão. De fato, explica Santo Ildefonso, como o fogo incandesce o ferro, assim o Espírito Santo abrasou a Maria, a ponto de n'Ela brilhar somente o fogo do Espírito Santo e manifestar-se a chama do divino amor. Santo Tomás de Vilanova aponta como figura do coração da Virgem a sarça de Moisés, a qual ardia sem se consumir. Com razão, portanto, declara São Bernardo:


“A Mulher que João Evangelista (Ap. 12, 1) viu revestida do sol, foi Maria, que esteve tão unida a Deus pelo amor, quanto de tal união podia ser passível uma criatura.”

Sobre isso se apoia o pensamento de São Bernardino de Sena, de que Maria nunca foi tentada pelo Inferno. Eis as suas palavras:


“Assim como de um intenso fogo fogem as moscas, assim do coração de Maria, fogueira de caridade, eram expulsos os demônios, de modo que nem tentavam aproximar-se dele.”

Lemos o pensamento em Ricardo de São Vitor:


“Os príncipes das trevas de tal maneira temiam a Virgem Santíssima, que nem ousavam chegar-se para tentá-La, porque as chamas de Sua caridade os afugentavam.”

Maria revelou a Santa Brígida que no mundo nunca teve outro pensamento, outro desejo, outra alegria, senão Deus. Sua alma bendita gozava de uma contínua contemplação, sendo sem conta os atos de amor que fazia, escreve o padre Suarez. Mais ainda me agrada este pensamento de Bernardino de Busti:


“Maria não vivia repetindo atos de amor, à maneira dos santos; mas, por singular privilégio, Lhe foi à vida um ato único e contínuo de amor de Deus.”

Qual águia real conservava os olhos fitos no sol divino, de modo que diz Nicolau monge, nem os trabalhos cotidianos da vida Lhe impediam o amor, nem o amor impedia o trabalho. Essa é razão porque São Germano vê uma figura de Maria no altar propiciatório, onde o fogo nunca se extinguia, nem de dia nem de noite. Chama-Lhe por isso Santa Catarina de Sena a portadora do fogo do divino amor. Portanto, se nós também queremos arder nessa chama bem-aventurada, procuremos estar juntos de nossa Mãe, com as orações e os afetos.


Ó Maria, Rainha do amor, a mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas (como Vos dizia São Francisco de Sales), ah! Minha Mãe! Vós ardestes sempre no amor de Deus, dignai-Vos, pois, conceder-me ao menos uma centelha desse amor. Vós pedistes a Vosso Filho por aqueles esposos, a quem faltava o vinho. E não pedireis por nós, a quem falta o amor de Deus, que somos tão obrigados a ter? Dizei a Jesus: Eles não têm amor. E só o que Vos pedimos. Ó minha Mãe, pelo amor que tendes a Jesus, atendei-nos, rogai por nós. Amém.

 


EXEMPLO


Na época em que se realizavam as aparições de Lourdes, conta o Conde de Broussard eu me encontrava em Cauterets. Nenhuma crença tinha nessas aparições, nem acreditava na existência de Deus. Era um devasso e ateu declarado.


Lendo num jornal a notícia de que Bernadete tivera mais uma aparição, em 16 de junho, na qual a Virgem lhe sorrira, tomei a resolução de ir a Lourdes para convencer a menina de que era uma embusteira.


Fui à casa dos Soubirous, onde encontrei Bernadete sentada à porta, cergindo meias. Ela me parecia bastante comum, mas, nos traços do semblante sofredor, espelhava-se uma grande doçura.


A pedido meu, fez o histórico das aparições, com uma simplicidade e firmeza que me comoviam.


Então, disse-lhe eu, como é que sorria a bela Senhora?

A pastorinha olhou-me espantada e, após uns momentos de silêncio, respondeu:


Ah! Senhor, só alguém que viesse do Céu poderia imitar aquele sorriso.

Não me fará o favor de experimentá-lo para mim? Eu sou um incrédulo. Não acredito nas suas visões

Nublou-se o semblante da menina, tomando uma expressão de severidade.


Então pensa o senhor que sou uma mentirosa?

Senti-me desarmado. Não! Bernadete não poderia ser uma embusteira. E experimentei o desejo de lhe pedir perdão de joelhos.


Visto que é um pecador, retornou ela, vou imitar para o Senhor o sorriso da Santíssima Virgem.

Levantou-se com muita dignidade, juntou as mãos e o seu rosto se iluminou com um sorriso tão angelicamente belo, que não me pude conter. Caí de joelhos, convencido de que estava vendo no semblante da visionária o doce sorriso da própria Virgem.


Desde então, no mais profundo de minha alma, conservo aquele sorriso indefinível do Céu. Muita lágrima já me tem ele enxugado. Perdi a esposa. Perdi as duas filhas que era o meu encanto.


“Sinto, porém, que não estou só no mundo, pois me acompanha sempre o sorriso da Santíssima Virgem, que me anima a vida.”

Oh! Minha Mãe do Céu! Sob o doce sorriso de Vossa bondade, de Vosso carinho materno, tudo é suportável neste mundo!


Santa Bernadete sofria ao pensar no Céu. Tinha uma saudade imensa de Nossa Senhora! Ouviram-na murmurar na agonia:


O Céu! O Céu! Trabalhemos para o Céu! Soframos pelo Céu! O resto nada vale!

E acrescentava:


Oh! Nossa Senhora é tão bela que, depois que se A viu uma vez, custa suportar a vida até que de novo a reveja no Céu!

Sim, a Virgem Santíssima, ideal de beleza e de amor, beleza imaterial e sublime, é o Paraíso no Paraíso! Vale sofrer um pouco neste mundo, para poder contemplá-La no Céu! Se soubéssemos!


 


ORAÇÃO

Ó Virgem Senhora, dizei por nós a Vosso Filho: Eles não têm vinho. Quão preclaro é o cálice deste vinho que inebria no amor divino! Esse amor nos faz esquecer o mundo; aquece-nos, e fortalece-nos, faz-nos indiferentes para tudo que é terreno. Vós sois o “campo bem cheio”, cheio de virtudes e de graças. Surgistes qual lúcida e rubicunda aurora. Vencendo a culpa original, nascestes em plena luz da verdade, em plenos fulgores do amor. Nada conseguiu contra nós o inimigo do gênero humano, porque de Vós estão pendentes mil escudos e todas as armas dos valentes. Não há virtude que não resplandeça em Vós, e o que os Santos possuíram repartido, possuís reunido. Nossa Senhora, ó nossa Medianeira, nossa Advogada, recomendai-nos ao Vosso Filho. Ó bendita, Vós merecestes a graça de por Vosso intermédio, haver o Senhor Se revestido do nossa fraqueza e indigência. Alcançai-nos por Vossa intercessão que Ele nos faça participantes de Sua glória. Ó bela rosa, mostrai a Vossa misericórdia: já que me amais tanto, fazei que meu coração se inflame de tal modo no Vosso amor, que chegue a morrer por Vós. Doce Maria, esperança minha, sois aquela bendita estrela que guia ao porto: Vós me guiareis ao Céu.

Viva Jesus, Maria e José!


- Santo Afonso Maria de Ligório


 


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